Autocontrole


Minhas mãos gelaram,  frio na barriga e nenhuma noção de como agir, essa era a minha descrição naquele momento, então, na condição de não saber o que fazer fiquei parada disfarçando exatamente onde estava. Sabe aquela brincadeira... Estátua? Foi quase isso.
- Posso falar com você? – Enzo nunca foi de mascarar nada, sua objetividade encanta e assusta.
- Claro – Fingi estar super tranquila.
- Você tá chateada comigo? Depois do que houve não nos falamos mais. –
Quando percebi que de uma maneira ou de outra ele ia dizer tudo o que queria, o puxei pelo braço e nos afastei das pessoas.
- Foi algo que não esperávamos, achei que dar um tempo pra pensar e até para não haver constrangimentos seria melhor–  Se ele não se importou, se só agora veio me procurar e nem notou nada, o que tudo significou, então... Pra quê insistir? Preferi  guardar minhas feridas, não se cobra afeto, tampouco consideração, ou se tem ou não.
- Você não gostou? – Nossa, realmente era isso com o que ele deveria se preocupar.
- Não se trata disso.
- Você se arrependeu?
- É entrevista?
- É. Não haveria constrangimento nenhum, se foi algo que a gente quis e foi bom.
- É que foi a minha primeira vez, deve ser normal essas nóias, mas tô de boa. – Tentei ser descolada.
- Deve ser... Mas então você está bem e não tem nada pegando comigo. – Ele estava ficando aliviado.
- Não, não tem nada... – Sem querer baixei a cabeça, por um momento acho que deixei a tristeza transparecer. Ele pôs as mãos no meu queixo levantando levemente o meu rosto e perguntou:
- Tem certeza? -  A vontade era de desabar, expor tudo, até de chorar , mas... Não, eu ainda não estava pronta, ainda não me encontrava madura o suficiente para expor meus sentimentos com coragem e assumir as consequências.
- Tenho. Vou procurar a Duda antes que ela me mate por tê-la deixado sozinha. – Dei-lhe um beijo no rosto e me retirei.Saí pela casa procurando um lugar vazio, qualquer um em que eu pudesse respirar, encontrei a Duda conversando com a mesma menina e me aproximei.
- E aí – Na verdade eu queria lembrar a queridinha que ela tem amiga.
- Onde você tava? Essa é a Rafaela, da turma da tarde.  – De onde Duda conheceu essa menina?
- Estava conversando ali. Oi Rafaela.
- Oi, eu vou ali procurar os meus amigos.
- Tá certo. – Elas pareciam sem jeito, tava muito estranho.
- Onde conheceu essa menina?
- Na verdade por um grupo da escola no whats, mas pessoalmente hoje.
- Ah, conversei com Enzo.
- Ele tá aqui?
- Tá, quero ir embora.
- De forma nenhuma, essa festa é pra você, vamos dançar, esquecer  tudo. –  Me arrastou pra perto do Roni que estava dançando loucamente com sua paquera e alguns colegas.
Começamos a dançar, rir uns dos outros, um carinha se aproximou de mim, deveria ser da tarde também, logo meus amigos começaram a olhar julgando.
Enzo continuava lá no canto, conversando com um pessoal, mas de vez em quando olhava pra gente. Depois de muito cansada, parei de dançar, o rapaz se ofereceu pra buscar um refrigerante e sentei no sofá enquanto ele trazia. Eu não estava afim de paquera, definitivamente não, na verdade, estava naquele momento pensando em como  iria sair daquela situação.
- Peguei o mais gelado – Ele era simpático, admito.
- Valeu, eu acho que não tinha condições de ir buscar. – Tentei descontrair.
- Mas dançar é bom. – Repito, se tratava de um cara simpático.
- Pra quem sabe né.
- Ah você tava arrasando. – Rimos.
- É o poder da vodka.
- Faz milagre.
-  Vamos pro jogo da verdade? – Chegaram chamando, a galera já estava meio bêbada e afoita, ia ser estrago.
- Posso recusar?
- NÃO! – Gritaram.
- Ok – Ri e fui, na verdade enquanto a isso eu estava tranquila, nunca fui de estar em boatos, teriam poucas coisas a perguntar sobre mim. Enzo entrou na roda, mas isso também não me preocupou tanto. A garrafa foi girando, um responde pra lá, a gente ri pra cá, mas vou resumir as melhores. Primeiro perguntaram a paquera do Roni se estava rolando sentimento e ela respondeu que sim, coitada. Depois perguntaram a Duda se ela estava gostando de alguém e ela respondeu que mais ou menos, como assim Brasil? De quem?
Como não sei? Como não faço ideia? Será algum carinha da escola? Deixei essas perguntas pra depois, até que o Roni foi contemplado, apontado pela garrafa e direcionou sua pergunta ao Enzo.
- Da roda, você é afim que quem? – Boa Roni!
- Sophia. – Direto como uma flecha.
A galera ficou curiosa e começou a direcionar perguntas sobre nós.
- Você ficaria com ele? – Tô perdida.
- Na verdade já ficamos – A galera gritou .
- HUUUUUUM, assim que descobrimos as coisas – Soaram vários burburinhos.
Encerramos a brincadeira e Enzo veio atrás de mim.
- Aquele cara que estava conversando com você é teu amigo?
- Não, conhecido.
- E o Marcos?
- Eu vou viajar, decidimos dar um tempo.
- Você gosta dele?
- Pergunta difícil...
- Você não gosta.
- Por quê?
- Porque não, eu sei.
- E de quem eu gosto?
- Não sei, talvez de ninguém.
- Como tem tanta certeza?
- Eu te observo, sempre observei.
- Por quê?
- Também não sei, alguma coisa em você...
- E você tá com alguém?
- Não, na verdade meio enrolado.
- Entendi.
- Vamos dançar – Duda apareceu gritando semi-bêbada me puxando e foi a melhor coisa que ela fez nessa festa.
Enquanto eu dançava percebi ele indo embora,  achei estranho, quase não bebeu, não ficou com ninguém... Quando ele foi embora eu não sabia se sentia uma pena ou um alívio, meu coração queria ter dado uma brecha e de alguma forma ter ficado, contado algo,  ter sentido o gosto daquela boca novamente, quando ele se aproximava algo invisível me impulsionava, uma euforia que nada explica tomava o meu corpo, ali meu coração me pedia pra correr, alcançá-lo, impedi-lo de sair assim acabando com o fôlego da festa, com a graça de tudo pra mim. Sim, o coração é idiota. Não, eu não fiz nada disso.Fiquei mais um pouco na festa, me obrigando a ver alguma graça naquilo e vi, por incrível que pareça me diverti com aqueles amigos e sinceramente, é o que importa, não é legal condicionar diversão e a nossa felicidade a alguém, por mais que seja difícil e que não seja a mesma coisa, se entregar e aceitar ser refém é loucura. Sempre haverá um motivo pra sorrir.

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