Já era hora. Malas prontas, vida "resolvida", não posso mentir que volta e meia meus pensamentos paravam em Enzo e na mágoa que fiquei, eu não conseguia separar as coisas e nem entender o que sentia, cada vez em que pensava nele a tristeza cobria tudo e fazia uma gigante nuvem negra que embasava meus sentimentos, o bloqueei de tudo o que poderia lhe permitir falar comigo, talvez eu tenha me arrependido de tudo, talvez, ainda não sei.
Duda e Roni fizeram um social pra mim, já era de se esperar, disse que convidariam conhecidos, os deixei cuidando de tudo, por mim a gente faria uma reunião nossa mesmo, com música e bebidas para afogar as mágoas e estaria satisfeita. Há momentos em que quanto mais pessoas a sua volta mais presa você se sente, de certa forma você deve se moldar, se castrar em alguns aspectos para não se expor demais, a menos que não se importe com isso, mas infelizmente não é o meu caso.
Duda me ligou e disse que viria se arrumar comigo para irmos juntas a casa do Roni, eu queria usar algo diferente, algo que refletisse um pouco minha alma e ela... Tava meio estranha, na verdade, já tinha alguns dias assim, pensei que era normal, por causa da minha viagem, é a Duda né? Sentir saudade antecipada seria a cara dela.
- E aí, ansiosa com a viagem? - Isso seria um "oi, tudo bem?" na língua Dudesa.
- Só estou meio sentida por vocês não estarem lá, vou sentir saudade de casa. - Meus olhos encheram d'agua.
- Nem diga... Tô evitando pensar nisso, vai ser rápido e a gente vai se falando o tempo todo.
- É, vocês me contem tudo sobre tudo o tempo todo, ok? - Foi quase em tom de ameaça.
- De boa, você também, vou te stalkear semanalmente pra garantir. - Gargalhamos juntas.
- E aí? Como estou? - A Duda estava meio diferente, aliás, nós duas. Ela de calça jeans, tênis e uma blusa roxa de uma manga só, caída e batom roxo.
- É você mesmo? Tô chocada - O que deu nela gente?
- Palhaça! Tô meio enjoada  da minha vida... De tudo. Já se sentiu assim? - Sabia que tinha algo pegando.
- Mais ou menos. De qualquer forma, você tá arrasando!
- Você também! - Eu estava com um macacão preto, rabo de cavalo, sandália baixa e batom vermelho. Acho que jogamos aqueles preparativos glamourosos fora para esta noite, tudo o queríamos era uma noite calorosa de paz e diversão com os amigos.
O táxi chegou e algo me diz que essa noite promete.
Quando chegamos Roni já estava lá esperando e para o nosso susto, de mãos dadas com a moça que ele conheceu no shopping... - REALMENTE, quando pensamos que não pode mais nos surpreender, ele mostra que pode sim!
Acho que não conseguimos disfarçar muito bem nosso espanto, foi desconfortável e muito engraçado encontrar Roni de mãos dadas com alguém.
- E aíiii chatices de minha vida! -  Não desgrudou da mão dela nem um momento.
- Oi chato. - Duda nem se arriscou a dizer nada e cumprimentou a menina com a cabeça.
- E aí, as coisas estão animadas por aqui? - Tentei desconversar e dei um oi pra moça.
- Acho que vocês lembram da Luana. - Ele estava fazendo aquela cara de "sejam boazinhas comigo".
Ela foi simpática, também muito bonita, parecia uma índia.
Foi estranho ver o Roni levar ficante pra uma social, ele que criticava tanto a ideia de você "chegar preso" numa festa, enfim né, as coisas parecem que estão realmente mudando.
Entramos na casa do Roni e já estava cheia, tá, confesso, deu vergonha. Dá vergonha né? PRINCIPALMENTE QUANDO O SEU AMIGO ANUNCIA AOS GRITOS QUE VOCÊ CHEGOU, VOCÊ QUE NÃO GOSTA DE APARECER, LOGO VOCÊ. Desculpem, me excedi, fiquei nervosa.
- Aêee galera, nossa bailarina turista chegou! Uhuuu - Claro que o belisquei.
A galera gritou, alguns se aproximaram, me cumprimentaram e desejaram sorte, Duda sumiu um pouco e depois a vi conversando com uma menina, estavam meio isoladas, nunca tivemos contato com aquela garota, de onde elas e conheciam para conversar tanto? Roni não saía de perto da Luana, entre risos e conversas faziam um casal lindinho, isso se não fosse o Roni né.
Eu estava confortável ali, todo mundo distraído, música eletrônica e vodka.
Estava... Até que Enzo entra e eu não encontro lugar para me esconder.  





Sempre preferi as linhas ao invés da fala, confiar minhas confidências numa folha parecia mais seguro, menos trabalhoso, na folha branca não consta julgamentos, ela apenas absorve e eterniza o momento, como se levasse consigo um pouco da dor.Sempre preferi sorrir nos momentos mais tristes, meu choro é e sempre foi para poucos. Amei muito, poucas pessoas. E mesmo fugindo, os laços se constroem, não dá pra fugir da vida, ou se vive, ou se morre, física ou emocionalmente.Sempre pensei em sexo como extensão do amor da alma para a carne, o corpo. Ele não começa na cama e sim no primeiro olhar, no interesse de desvendar, naquela opinião curiosa, no riso, naquelas mãos tocando o cabelo... O sexo começa nesses detalhes e só depois se transforma em suor.

Coragem


- Como assim, alguém? - Sabe quando você entende mas prefere fingir que não? Foi exatamente isso.
- Alguém, se você na verdade já gosta de algum cara e por isso não conseguiu gostar de mim. - Por trás daquela capa inocente o Marcos era mais sagaz do que eu imaginava.
- Ah, eu já gostei de uma pessoa mas nunca deu em nada demais e se você não se importasse, não gostaria de falar disso, é algo que passou pra mim e que não desejo lembrar.
- Tudo bem. - Ele estava irritado a ponto de desistir de saber sobre qualquer coisa que me envolvesse, ficou claro, foi estranho, uma sensação de perda, perda de um laço bom.
- Não tem mais clima pra cinema né? - Falei super sem graça.
- Acho que não, mas se você quiser, por mim tudo bem.
- Não, acho que a gente não tá com cabeça pra filme. - Olhei pro chão enquanto ele desviava o máximo que podia os olhos de mim.
- Então vamos embora? - Levantamos e fomos pra casa.
O caminho foi regado a silêncio e comentários sobre escola, tempo, música e tudo mais que nos distanciasse do assunto "nós", senti que era uma despedida.
Ele me acompanhou até em casa e se despediu com um beijo na testa.
- Tudo de bom pra você - Foi frio, mas esperado.
- Obrigada e... Desculpa. - Devolvi o beijo na bochecha.
Entrei em casa sentida, mas aliviada, era hora de fazer as malas, não só da viagem, mas também do coração, talvez dar um tempo é tudo o que eu precise fazer agora, e não é por covardia que estou me dando esta fuga, se retirar muitas vezes é questão de inteligencia. Por alguns momentos, não, por quase todos os momentos, pensei que nunca iria passar, o amor platônico pelo Enzo, minha timidez e... Nada disso  passou, está tudo aqui, igual, ou pior, mais confuso, muito mais confuso, mexi, saí da casca, por um minuto, coloquei o rosto na luz e bastou. A diferença agora, é saber que vai passar, incomodar sempre vai, mas agora a questão é seguir e seguir é um ato grande de coragem.



Perguntaram-me por que poesia,
Disse-lhes, alegria,
Harmonia,
Fantasia,
Em versos colorir,
Essa nossa mania de rir, com palavras.

Perguntaram-me por que poesia
Disse-lhes, solidão,
Mania de traduzir o coração,
Bailar em rimas como canção,
Bailar!

Perguntaram-me por que poesia,
Disse-lhes, cura,
Refúgio a quem procura,
É adrenalina pura,
Montanha-russa das palavras,
E mesmo assim cansada,
Encontro força pra rimar.

Mesmo esgotada,
Sinto meu corpo arrepiar,
Preciso beirar a estrada,
Aquecer minha alma
E brincar,
Preciso de lápis e papel,
Me perder no meu céu,
E num poema me encontrar.

Li esse conto de uma pessoa muito especial e foi amor à primeira vista. Espero que também se apaixonem por esses sentimentos.




Entre as respirações profundas que se seguiam a cada página terminada daquele fastidioso livro, ele aproveitava e olhava pela janela que ficava logo acima da sua bancada. Era pela centésima vez o mesmo céu, as mesmas estrelas, mas não se cansava dessa ser a sua primeira visão depois das letras emaranhadas daquele livro.
Quando já estava inebriado por todas aquelas palavras que nada mais lhe diziam, resolveu levantar e olhar pra baixo. Isso porque o céu, por mais lindo que estivesse, era quase que imóvel, assim como o livro que estava lendo. Ele precisava de movimento, distração, algo que fizesse a sua mente viajar.
Era sábado, movimento era a lei daquela rua. Tinham os bares, restaurantes, pizzarias e também uma pequena e aconchegante pracinha. Ele olhava para tudo, e começava a idealizar quantas histórias caminhavam por ali. Focou então em um casal que estava sentado em um dos banquinhos da praça. Olhava para cada carícia, cada beijo e arquitetava na sua imaginação diálogos super fofos que poderiam estar acontecendo entre aqueles dois. Quando percebeu que estava quase se tornando um voyeur desviou o olhar e voltou-se ao céu, aquele sem histórias, sem movimento, só que agora muito mais melancólico. Isso porque olhando para aquele casal, percebeu que nunca tinha sido amado.
Na sua cabeça, amar era transbordar, assim como aqueles dois na praça estavam transbordando, chamando a atenção, exalando um amor que alcançava até o “voyeur” do 5º andar. Ele tinha vivido algumas histórias, claro, mas tão efêmeras e vazias que suas testemunhas eram somente a escuridão do cinema, o ar quente de um carro com um bom fumê e os lençóis brancos de um hotel qualquer. Amores escondidos, limitados, enclausurados logo de início, talvez por isso nenhum tenha vingado. Percebeu que amor precisa de espaço, de liberdade, do céu como testemunha e às vezes até de um “voyeur”.
Queria culpar a sociedade, os políticos, a igreja, a moral, a família, tudo aquilo que não fosse ele. Culpou, culpou até que respirou bem fundo, bem fundo e voltou pra página 272.

Lucas Oliveira.



D.R - Hora da verdade.

Enfim chegou a hora, não dava mais pra ficar agindo com o Marcos como se nada tivesse acontecido, algo mudou dentro de mim, passei por um momento que vai ficar marcado a minha vida toda e não posso continuar agindo normalmente, por mais que eu não me exponha, não devo deixar ele continuar apostando todas as suas fichas.
Coloquei um short jeans com uma blusa preta folgada, amarrei o cabelo, passei um batom rosa e calcei uma sapatilha, pronto!
Tentei não pensar no Enzo, por mais que seja triste, devo me preocupar com quem se importa comigo e esse não é o caso dele.
Quando cheguei no shopping Marcos já estava a minha espera, não vou negar que deu vontade de assistir o filme, falar da viagem e fugir, mas não dava, o meu conforto significaria uma futura decepção pra ele.
- Oi - Ele sorriu, nem imaginando o que vinha por aí.
- Oi, demorei? - Sorri um pouco desajeitada.
- Não, só um pouquinho, o tempo certo pra me dar fome! - Rimos juntos.
- Então vamos comer, aproveitamos e conversamos.
Era incrível que mesmo estando desconfortável, eu não ficava nervosa, não do lado dele. Por mais que eu soubesse que a conversa seria complicada e que eu corria sérios riscos de perdê-lo, do seu lado não dava pânico, nem nesta situação.
Pedi um sanduíche com milk-shake e ele hambúrguer com refrigerante. Assim que fizemos os pedidos, como um sapato apertado que a gente fica louco pra tirar, eu desejava desabafar logo.
- A conversa que eu quero ter, diz respeito a duas coisas bem complicadas pra mim... - Eu disparei, e me vi tão frágil abrindo as verdades e com elas minhas incertezas, que me voz parecia nem querer sair.
- Fiquei preocupado, mas pode falar, prometo tentar entender, seja o que for. - Ele realmente não esperava o que estava por vir.
- Vou falar logo, são duas coisas, a primeira é que eu vou para um congresso de dança em outro estado passar alguns meses e isso já está decidido. A segunda é que eu acho melhor nós pararmos de ficar, não por conta da viagem apenas, mesmo sem ela eu iriamos ter essa conversa, é melhor porque eu não estou me sentindo pronta, aberta, para gostar de você como você merece e acho injusto, você sendo maravilhoso comigo e eu lhe dando apenas pouco de mim. Acho, na verdade, que ninguém merece isso. - Ele me olhava parecendo prestar bastante atenção em cada coisa que eu dizia e eu ficava cada vez mais agoniada por não perceber nenhuma expressão sua.
- Acabou?
- Sim. - Eu já não conseguia falar mais nada.
- Acho que você não deu uma chance de verdade, não sei por qual motivo, mas eu entendo, se mudar de ideia eu vou tá sempre aqui. Sobre a viagem, acho que você poderia ter dito antes... Me pegar de surpresa assim, já com tudo decidido... Eu sei que não temos nada sério, mas pow... Eu gosto de você e você sabe disso, poderia já ter comentando antes, ter tido mais consideração.
- Eu sei que não foi certo, estou super triste, mas essa decisão foi algo que pensei praticamente sozinha, é como se eu finalmente quisesse tomar minhas próprias decisões, pensando em cada consequência, em tudo o que irei assumir e nessa confusão mental acabei sendo egoísta, desculpa...
- Tudo bem, relaxe. - "Relaxe" era bem típico do Marcos numa momento desses.
- Mas quero lhe perguntar só uma coisa.
- O quê?
- Você não gosta de mim porque não está aberta para isso ou você já gosta de alguém? - Agora sim eu não sabia o que dizer, como não mentir sem magoá-lo?